Preservação digital e diversidade cultural
1. Introdução
Há uma preocupação crescente dos organismos de gestão de documentos com relação ao acesso e à preservação da memória cultural, global, frente às tecnologias de informação, preocupação tanto maior, quanto o uso de documentos digitais, a qual se expande a cada dia e, de forma cada vez mais rápida.
A ‘aldeia global’, anunciada há mais de quarenta anos por Marshall McLuhan (1963), passou a existir, com o advento e difusão da Internet.
Talvez nada defina melhor o momento em que vivemos, do que a luta pela preservação da diversidade, cultural, social, natural, ambiental. Os últimos séculos testemunharam o avanço de uma crescente uniformização e expansão humanas com benefícios para a humanidade mas também às custas de grandes perdas a vários níveis. Bastará lembrar o caso das línguas ameríndias, reduzidas a uma fracção ínfima, a destruição de inúmeros povos americanos e de incontáveis espécies de plantas e animais.
A globalização é, portanto, muito mais antiga e persistente do que muitas vezes se imagina e os seus críticos também muito mais precoces.
O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, notou desde cedo a importância da preservação da diversidade cultural. Com a difusão do mundo digital, a partir das duas últimas décadas do século XX, multiplicaram-se os espaços virtuais, separando pela primeira vez, tempo e espaço, de modo que, à diferença do que ocorria anteriormente, hoje é mais fácil consultar, em qualquer lugar, um diário como o "New York Times", do que ter acesso a um jornal local. Contudo, o acesso ao mundo virtual, quando dependente de recursos económicos, pode acabar por fortalecer as diferenças sociais e a exclusão social.
O ciberespaço pode ser descrito como uma heterotopia, no sentido atribuído pelo filósofo francês Michel Foucault: um espaço alternativo ao espaço físico e real.
A "digitalização do mundo" cria, portanto, tendências contraditórias, pois não podemos saber o que os nossos descendentes considerarão importante e, por isso, a diversidade deve ter lugar de destaque nos nossos critérios de preservação documental.
É neste contexto que os arquivos assumem responsabilidades como nunca antes : como garantir a preservação da diversidade?
2. Os desafios da preservação digital
A preocupação da UNESCO expressa na Carta de Preservação do Património Digital remonta às considerações discutidas sobre a importância da diversidade humana, diversidade essa que abrange documentos oficiais e não oficiais, documentos culturais, tanto eruditos como populares, documentos que
exprimem aspirações e desejos internacionais, mas também, nacionais, regionais e locais.
Boa parte das expressões humanas são, em grande parte editadas em suporte digital , tanto as oficiais como as pessoais (os mais diversos documentos desde simples e-mails, passando por documentos oficiais, bases de dados, estatísticas,obras artísticas como filmes, fotografia, e-books,etc.) . Essas são questões da mais alta relevância para a humanidade e a responsabilidade por essa preservação estará na esfera de actuação dos arquivos, que custodia e garante a transmissão e preservação da diversidade para as futuras gerações.
3. Nos seminários e nas pesquisas de ponta sobre preservação arquivística digital, preocupações importantes têm sido ressaltadas, a começar pelos desafios de como preservar os fundos originais. Há que considerar a fragilidade de preservação dos suportes de informação digital, pois todos os meios disponíveis apresentam problemas de preservação física.
Para além da manutenção da integridade física, é necessário prever uma série de procedimentos, em constante reavaliação: transposição de dados, actualização de equipamentos e programas informáticos, etc..
Para tanto, são necessárias acções como a preservação tecnológica, a migração, a emulação, o armazenamento assim como a preocupação da adopção de padrões e protocolos, de políticas de gestão documental e tecnológica, com controle público de legitimidade, além de uma política pública que inclua
pesquisa científica, mas também acções por partes de arquivos e bibliotecas, a todos os níveis.
Um dos desafios consiste nas questões económicas envolvidas, tanto pelos custos da preservação digital -imensos, para países pobres - como nas barreiras impostas pela privatização documental, na forma de direitos de autor apropriados por companhias privadas, que dificultam ou mesmo inviabilizam o acesso e
preservação de muitos documentos relevantes, mesmo em países ricos.
4. Assim a elaboração de normas para a determinação de padrões de preservação é um aspecto que
deve ser implementado dentro de um conjunto mais amplo de estratégias e acções que incluem questões que vão da política à implantação de sistemas e repositórios digitais. Isso deve-se às especificidades do documento digital em si, além de todos os aspectos já mencionados, devemos ainda destacar:
deve ser implementado dentro de um conjunto mais amplo de estratégias e acções que incluem questões que vão da política à implantação de sistemas e repositórios digitais. Isso deve-se às especificidades do documento digital em si, além de todos os aspectos já mencionados, devemos ainda destacar:
a) O documento digital não é virtual: está fixado num suporte (disco rígido, CD, DVD, etc).
b) O conteúdo e suporte são entidades separadas: o documento não se define pelo suporte (disquete, CD), mas sim pelo seu conteúdo.
c) O documento digital é um objecto físico (suporte), lógico (software e formatos) e também conceitual (conteúdo).
c) O documento digital é um objecto físico (suporte), lógico (software e formatos) e também conceitual (conteúdo).
d) Fragilidade intrínseca do armazenamento digital: degradação física do
suporte.
suporte.
e) Rápida obsolescência da tecnologia digital: hardware, software e formatos.
f) Instabilidade: dificuldade em garantir a autenticidade dos documentos.
Estes aspectos representam desafios para a manutenção, a longo prazo, de documentos confiáveis e autênticos que permitam sustentar os factos que atestam, mantendo-se livres de adulteração ou quaisquer
tipos de corrupção. Desse modo, gerir e preservar documentos digitais é uma tarefa complexa e representa um desafio para qualquer instituição; o seu sucesso dependerá fundamentalmente da efectiva implementação de procedimentos e políticas de gestão de documentos, como:
a) Dotação de infra-estrutura tecnológica e material;
b) Gerir adequadamente os recursos humanos de profissionais com formação adequada ;
c) Identificação dos documentos arquivísticos digitais, de entre as informações e os documentos produzidos, recebidos ou armazenados em meio digital;
d) Implantação de um programa de gestão arquivística de documentos único para os convencionais e os digitais;
e) Participação dos profissionais da administração, de arquivo e de TICs, na concepção, do projecto, implantação e gestão dos sistemas, assim como as demais medidas tecnológicas.
Conclusão:
Integrar e implementar a médio e longo prazo as medidas adequadas a nível de equipamentos e tecnologias, assim como profissionais de gestão da informação, incluindo profissionais de arquivos e bibliotecas, de tecnologias da informação, comunicação e documentação será uma das etapas do processo de implantação da gestão e preservação, de documentos digitais nos arquivos.
Referências
ARQUIVO CENTRAL DO SISTEMA DE ARQUIVOS DA UNICAMP (AC/SIARQ-UNICAMP).
Padronização de documentos electrónicos. Relatório final de actividades GDAE.
CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS (CONARQ)
Publicações digitais. Modelo de Requisitos para Sistemas Informatizados de Gestão Arquivística
de Documentos: e-ARQ.
de Documentos: e-ARQ.
Pesquisa e coordenação: Elisa Moutinho, Técnica Superior de Arquivo
Redacção e edição: Rui António Magalhães (Ass.Operacional - TICs e Documentação)